"Homens e mulheres acham que é possível ter filhos e ainda manter a mesma vida que tinham antes. Não é. Ter filhos exige algumas renúncias, mesmo que essas sejam temporárias." O trecho é do excelente artigo da psicóloga Rosely Sayão divulgada com o título "Esqueceram de mim", na Folha São Paulo de 3 de agosto de 2010.
Não dá para ficar calado.
Leia o artigo.
Esqueceram de mim
Homens e mulheres acham que é possível ter filhos e manter a mesma vida que tinham antes. Não é.
A MÃE de um garoto com menos de dois anos precisava ou queria ir às compras. Ela não teve dúvidas: estacionou o carro, trancou-o e deixou o filho lá dentro, dormindo em sua cadeirinha.
"Que mãe desnaturada", certamente muitos pensaram ou disseram. Será?
Esse fato foi apenas mais um do gênero que irá engrossar as estatísticas do fenômeno mundial de esquecimento de crianças no carro.
Por sorte e por intervenção de transeuntes, no caso específico citado acima, a tragédia que costuma acontecer nessas situações não ocorreu.
Muitas crianças, de todas as classes sociais, têm sido abandonadas e/ou esquecidas diariamente. Algumas, inclusive, são esquecidas pelos adultos responsáveis por elas na presença destes.
Na escola, muitas crianças ficam à espera dos pais por mais de uma hora depois de terminado o horário regular.
E a instituição escolar, muito solícita com os pais, permanece de portas abertas -às vezes até o início da noite, disponibilizando seu pessoal para ficar com as crianças até que alguém apareça para buscá-las.
Algumas escolas acreditam que prestam um tipo de serviço especial aos pais e se permitem, inclusive, cobrar por essas horas extras.
Em casa, muitas crianças ficam abandonadas em frente à televisão ou no jogo de videogame. Aliás, não é pequeno o número de pais que fazem de tudo para que seus filhos permaneçam entretidos com esses aparatos e, dessa maneira, não solicitem de nenhum modo sua presença e intervenção.
Mas há, também, o oposto disso: pais que querem fazer algum programa e, para tanto, carregam junto seus rebentos.
Hoje é comum encontrarmos mães e pais com seus pequenos bebês em shoppings, por exemplo. Ou, então, testemunharmos pais com seus filhos menores jantando às altas horas da madrugada em restaurantes ou em bares de petiscos.
Esses fatos me lembram a pergunta que a mãe de um bebê me fez, pouco tempo atrás. Profissional dedicada e com carreira em desenvolvimento, ela ocupava um alto cargo em uma empresa e um de seus compromissos profissionais era viajar com muita frequência, o que fazia com muito gosto.
Após ter seu filho cuidadosamente planejado e retomar o trabalho, essa profissional deu-se conta de que não poderia mais fazer viagens com tanta frequência e de longa duração. "O que vou colocar no lugar do que perdi, como viver de agora em diante?", perguntou ela.
A questão dessa mulher é um retrato instantâneo e em branco e preto da maternidade e da paternidade nos dias atuais.
Os valores de nossa cultura levam homens e mulheres a acreditar que é possível ter filhos e ainda manter a mesma vida que tinham antes de tê-los. Não é.
Ter filhos exige algumas renúncias, mesmo que essas sejam temporárias. Não dá para ter e fazer "tudo ao mesmo tempo agora".
Por sinal, é bom lembrar que essa é uma máxima da juventude e, quando se tem filhos, a juventude deve ceder espaço à maturidade, independentemente da idade cronológica da pessoa. Esse amadurecimento tem sido uma raridade nos dias atuais.
Nem sempre os adultos que decidem ter filhos se dão conta da complexidade dessa decisão, já que alguns dos valores importantes da atualidade apontam para a manutenção da juventude a qualquer custo e para a busca quase desesperada da felicidade.
Filhos não podem ser descartados, e muitos têm sido. Ter filhos leva a pessoa a ter de renunciar, ceder, abdicar. Afinal, não foram as crianças que pediram para nascer, não é verdade?
ROSELY SAYÃO
Psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
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3 comentários:
Olá Dr, éa 1ª vez que comento apesar de o ler há algum tempo.
O tema deste post é revoltante sim...revivi um episódio que se passou comigo: estacionei o carro ao lado de outro. Saio e ouço choro de criança. Era um menina de cerca de 4 anos trancado no carro. Chemei ajuda. Ninguém me ajudou. Disse ao menino através do vidro:"vou chamar a tua mãe e já volto!", corri pelo supermercado e encontrei a mãe no meio dos gritos que dei. A (cabra) da mulher vem na descontra, ralha comigo. Não aguentei, empurrei-a e disse para abrir a porta do carro caso contrário chamaria a policia. Chamei-lhe todos os nomes feios possiveis. E depois chorei. Muito. De revolta. Tinha perdido a minha filha há 2 meses e aquele ser a matar o filho. Infelizmente há muitos pais(????) que mais parecem criminosos que pais propriamente dito.
Desculpe a invasão....mas esse post fez-me isto...
É, Lauro, acho que este artigo da Roseli no seu blog não deixou a Autora calada. Cumpriu bem sua função.
Muito bom. Adorei ler o texto na Folha.
Um abraço.
Excelente texto, dr. Lauro.
Todos repetem que "ter filho muda tudo". Nada mais verdadeiro, porem a exata dimensao disso a gente so entende quando tem um.
A responsabilidade e enorme, um compromisso para todas as horas e para a vida inteira. Um compromisso sem volta.
As pessoas deveriam refletir muito e seriamente antes de optar ter um filho.
Acredito firmemente que nao e todo mundo que pode ser pai/mae.
Renuncia, paciencia, disponibilidade, responsabilidade entre outros atributos sao indispensaveis no dia a dia com um filho. Nem todos entendem isso ou tem isso para oferecer.
O resultado triste a gente ve todo dia. Criancas jogadas no lixo, pais que matam seus filhos ja nascidos ou ainda em gestacao, criancas vitimas de maus tratos, criancas educadas pela televisao, a infancia deixando de existir e dando lugar a uma sensualidade/sexualidade antecipada...
Espero que muitas pessoas tenham acesso a este texto.
Deveria ser leitura obrigatoria para aqueles que desejam ter filhos e para os que ja os tem.
Um abraco a todos!
Katia.
EUA.
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