sábado, 21 de agosto de 2010

Nem tudo é "Êxito"

Artigo de Rosely Sayão, publicado originalmente em A Folha de São Paulo de 10/08/10.


Há coisas mais importantes no papel dos pais do que acompanhar a vida escolar do filho

ASSISTI a um comercial na televisão muito interessante.

Para falar a verdade, nem me lembro do produto anunciado, porque o desenvolvimento da narrativa me prendeu tanto a atenção que não fixei mais nada.

Na primeira cena do filme, aparece um garoto brincando em um parque. Ele não consegue se equilibrar em um dos brinquedos e a câmera mostra a sua queda. Com a feição expressando dor e susto, o menino é levado pela mãe ao atendimento médico.

A cena seguinte mostra essa mesma mãe em seu ambiente de trabalho com um semblante muito preocupado. Sua colega pergunta qual o motivo de sua preocupação e prontamente ela responde que é o filho.

"O que foi que ele aprontou desta vez?", pergunta a colega que, segundo sugere o comercial, já está acostumada com acontecimentos que envolvem o garoto e perturbam essa mãe. "É a escola. Ele ficou para recuperação de matemática" foi a resposta.

Aí está: os autores dessa peça publicitária conseguiram captar muito bem o que se passa na atualidade com quem tem filhos. Muitos pais estão realmente convencidos de que a coisa mais importante na vida das crianças e dos adolescentes é a vida escolar deles e seu aproveitamento nos estudos.

Decidimos, no mundo contemporâneo, que o preparo dos mais novos para o futuro quase que se resume ao êxito escolar.

Procissões de pais buscam escolas consideradas boas porque seus alunos conseguem entrar em boas faculdades ou notas altas em exames nacionais, como no Enem, por exemplo.

Um número cada vez maior de pais se sente obrigado a acompanhar pari passu os deveres escolares dos seus filhos a serem feitos em casa.

Não faltam pesquisas, depoimentos, campanhas que conclamam os pais a uma participação ativa na vida escolar dos filhos.

Já é hora de refletirmos a esse respeito. E, para isso, vamos começar com uma frase de Natalia Ginsburg extraída de "As pequenas virtudes".

"Estamos aqui (os pais) para reduzir a escola a seus limites humildes e estreitos; nada que possa hipotecar o futuro; uma simples oferta de ferramentas, entre as quais é possível escolher uma para desfrutar amanhã."

Segundo a autora, a importância exagerada que os pais costumam dar ao rendimento escolar do filho é fruto do respeito à pequena virtude do êxito, apenas isso.

Há coisas muito mais importantes no papel de mãe e de pai do que fazer as lições de casa com o filho e acompanhar sua vida escolar. Uma delas é socializar a criança. Crianças precisam aprender com os pais que não vivem sozinhas, e sim em grupo. Isso significa, entre outras coisas, aprender a conviver com os outros de modo respeitoso, a se cuidar para se apresentar bem, a se comunicar de maneira adequada, a se comportar em ambientes diferentes.

Outra tarefa importante dos pais é a de dar educação moral aos filhos. Precisamos reconhecer que, hoje, boa parte das crianças se envergonha de não ter o que os colegas possuem, mas não sentem vergonha de fazer coisas que não podem fazer como furtar pequenos objetos, mentir, agredir e humilhar outras crianças e até adultos. Do mesmo modo, não sentem constrangimento algum em perturbar pessoas que estão ao seu redor.

A formação do caráter dos filhos, a educação moral, o desenvolvimento de virtudes e o preparo para o convívio são aspectos da educação que valerão muito mais para as crianças no futuro do que o êxito escolar.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?"

Um comentário:

Pimenta disse...

Excelente.Aqui na china, vive-se isso ao limite máximo.As crianças, no quarto ano, já podem ter uma considerável pasta de currículo escolar.E quanto mais cursos, cursinhos, estudos de 'ferias(geralmente imersão em alguma lingua),maior o currículo, mais chance de êxito, segundo a cultura local.( lembre que também os pais tem menos férias,feriados e folgas,então optam por super ocupar as crianças)
Mas Senhor Lauro, existe na minha concepção uma diferença enorme entre estar lá conscientemente pelo filho, e fazer demonstração disso.
Observo mães super preocupadas, mas que no fundo, estão apenas garantindo a imagem de boa mãe, pois fora o básico, manter bem alimentado, saudável e limpo com esmero, mentem, enganam e chantageam seus prórios filhos.
Estamos mesmo em um dilema moral extenso.Como pais, tentamos fazer frente a um mundo que tem um apelo muito mais forte que o nosso humilde conselho.
A falta de noção das pessoas adultas permeia o universo infantil, e nossos filhos tem que lidar com a mesma matéria humana com a qual lidamos, com um agravante.
Adultos escolhem a que padrão moral seguir.Crianças não tem esse conhecimento para escolher.
bjo