A placa com os dizeres "Arbeit Macht Frei" (O Trabalho Liberta), roubada há dias do portão de entrada do antigo campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, hoje um museu, apareceu. Os ladrões, que a partiram em 3 pedaços, foram presos. Agora surge a notícia de que o roubo foi encomendado por alguém que vive fora da Polônia. Em abril deste ano, visitei, nos arredores de Praga, o antigo campo de concentração de Terezinstadt. Havia lá também uma placa idêntica àquela roubada, com os mesmos dizeres.
As placas de Auschwitz, ou de Terezinstadt, ou de outros antigos campos têm algum valor histórico, pelo que elas representaram no período nazista, mas creio que não têm valor de mercado. Quem as roubaria? Com que objetivo?
Não dá para ficar calado.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Sean, o sobrevivente
O tempo passa rápido. Em poucos anos o menino Sean decidirá por vontade própria com quem e aonde quer morar: com o pais nos Estados Unidos, ou com a família materna no Rio. Enquanto os juristas demonstram seus conhecimentos das leis, o menino de 9 anos, que perdeu a mãe há pouco tempo, sofre. Em poucos anos poderá julgar o que fizeram com ele. Sobreviverá, apesar de tudo e de todos.
Não dá para ficar calado.
Não dá para ficar calado.
Leia em voz alta para seu filho desde o 1º ano de vida
James Heckman, Nobel de Economia, abriu o seminário Educação na Primeira Infância, que ocorreu na semana passada na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio. Reafirmou ele a importância dos estímulos até os 3 anos de idade de uma criança, como fundamentais para o seu desenvolvimento. E não só na creche ou na escola. Pais que lêem para seus filhos e os estimulam através de jogos e conversas, de 0 aos 3 anos, (os estímulos verbais devem começar ainda durante a gestação) estão proporcionando aos filhos melhores condições para o desenvolvimento do que aqueles que não o fazem.
Não dá para ficar calado.
Não dá para ficar calado.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
"Dificuldade de aprendizagem" - expressão maldita
Mais um artigo muito oportuno da psicóloga Rosely Sayão foi publicado em A Folha de São Paulo de 26/11/09 com o título "Dificuldades para aprender". Leia aqui no Observatório da Infância.
Não dá para ficar calado.
Neste fim de ano letivo, muitos pais se preocupam com o rendimento passado do filho. Há os que ficam bravos com baixas notas, recuperação ou mesmo reprovação. Mas há os que ficam apreensivos porque ouvem dos professores que seu filho apresenta dificuldades de aprendizagem.
Deveríamos abolir essa expressão quando nos referimos à vida escolar das crianças -e temos motivos para tanto. O principal deles é que, por trás dessa frase, há uma multiplicidade de sentidos sem muita coerência entre si. Alunos com ritmos de aprendizagem diferentes dos de seus colegas, alunos dispersos, alunos com estilos específicos de aprendizagem, entre outros, costumam receber o diagnóstico de "dificuldade de aprendizagem" para justificar o baixo rendimento escolar.
Como entender essa expressão maldita? Vamos nos aventurar na missão possível de desconstruir essa frase tão usada.
O primeiro passo é aceitar a ideia de que todos temos dificuldades de aprendizagem. Por quê? Ora, porque aprender é trabalhoso e difícil e exige um reconhecimento fundamental: o de que não se sabe. Só pode começar a aprender quem admite que não sabe. E talvez um dos grandes problemas que crianças e jovens do mundo atual enfrentam seja esse.
Tem sido cada vez mais difícil para eles admitir que não sabem, que não conhecem, porque isso angustia e incomoda. E, em tempos de aparências, precisamos mostrar que sabemos muito, não é? Os mais novos logo percebem esse clima e o incorporam em suas vidas.
A questão é que lidar com a angústia de não saber não é fácil, então a melhor saída tem sido rejeitar tal estado. E isso gera dificuldade de aprendizagem, já que essa angústia é o que dispara o aprendizado. Quem tem filhos pode constatar esse fenômeno da recusa do desconhecimento ao observar quantas vezes as crianças repetem a frase "Eu sei, mãe" ou "Eu já conheço, pai".
O segundo passo para desconstruir a frase "dificuldades de aprendizagem" é o de reconhecermos também que o mundo nos leva a sermos hiperativos e dispersos. Ora, isso gera dificuldades para aprender, já que esta é uma atividade que exige concentração, esforço e dedicação -mesmo que temporária- a uma única coisa. Além disso, os obstáculos que surgem têm sido vistos como impedimentos, e não como desafios, por isso preferimos contorná-los a enfrentá-los. Isso, sim, é um problema para muitas crianças do mundo atual: parar, aquietar-se, lidar com a angústia de não saber, se concentrar, perseverar para, então, aprender.
Por isso e por muito mais, em vez de pensar nas "dificuldades de aprendizagem", seria mais produtivo lhes oferecer meios para que se desenvolvam e ponham em prática seu potencial.
Rosely Sayão
Não dá para ficar calado.
Dificuldades para aprender
Neste fim de ano letivo, muitos pais se preocupam com o rendimento passado do filho. Há os que ficam bravos com baixas notas, recuperação ou mesmo reprovação. Mas há os que ficam apreensivos porque ouvem dos professores que seu filho apresenta dificuldades de aprendizagem.
Deveríamos abolir essa expressão quando nos referimos à vida escolar das crianças -e temos motivos para tanto. O principal deles é que, por trás dessa frase, há uma multiplicidade de sentidos sem muita coerência entre si. Alunos com ritmos de aprendizagem diferentes dos de seus colegas, alunos dispersos, alunos com estilos específicos de aprendizagem, entre outros, costumam receber o diagnóstico de "dificuldade de aprendizagem" para justificar o baixo rendimento escolar.
Como entender essa expressão maldita? Vamos nos aventurar na missão possível de desconstruir essa frase tão usada.
O primeiro passo é aceitar a ideia de que todos temos dificuldades de aprendizagem. Por quê? Ora, porque aprender é trabalhoso e difícil e exige um reconhecimento fundamental: o de que não se sabe. Só pode começar a aprender quem admite que não sabe. E talvez um dos grandes problemas que crianças e jovens do mundo atual enfrentam seja esse.
Tem sido cada vez mais difícil para eles admitir que não sabem, que não conhecem, porque isso angustia e incomoda. E, em tempos de aparências, precisamos mostrar que sabemos muito, não é? Os mais novos logo percebem esse clima e o incorporam em suas vidas.
A questão é que lidar com a angústia de não saber não é fácil, então a melhor saída tem sido rejeitar tal estado. E isso gera dificuldade de aprendizagem, já que essa angústia é o que dispara o aprendizado. Quem tem filhos pode constatar esse fenômeno da recusa do desconhecimento ao observar quantas vezes as crianças repetem a frase "Eu sei, mãe" ou "Eu já conheço, pai".
O segundo passo para desconstruir a frase "dificuldades de aprendizagem" é o de reconhecermos também que o mundo nos leva a sermos hiperativos e dispersos. Ora, isso gera dificuldades para aprender, já que esta é uma atividade que exige concentração, esforço e dedicação -mesmo que temporária- a uma única coisa. Além disso, os obstáculos que surgem têm sido vistos como impedimentos, e não como desafios, por isso preferimos contorná-los a enfrentá-los. Isso, sim, é um problema para muitas crianças do mundo atual: parar, aquietar-se, lidar com a angústia de não saber, se concentrar, perseverar para, então, aprender.
Por isso e por muito mais, em vez de pensar nas "dificuldades de aprendizagem", seria mais produtivo lhes oferecer meios para que se desenvolvam e ponham em prática seu potencial.
Rosely Sayão
Exposições imperdíveis no Rio
Em apenas duas tardes é possível visitar quatro exposições importantes no Rio de Janeiro. Todas grátis.
O II Festival Internacional de Humor do Rio de Janeiro, no Centro Cultural dos Correios, até 20 de dezembro.
A Imagem do Brasil no Tempo da Segunda Guerra, no Centro Cultural da Justiça Eleitoral, até 31 de janeiro.
Propaganda de Cigarro - Como a indústria do fumo enganou as pessoas, na Caixa Cultural - Unidade Barroso.
Artame Gallery: Arte e Solidariedade e Museu de Imagens do Inconsciente, e Fotografias de André Coelho, Imagens do Insconsciente, no Centro Cultural Justiça Federal, até 31 de janeiro e 17 de fevereiro, respectivamente.
As duas últimas exposições têm especial interesse para o Observatório da Infância e seus visitantes e colaboradores.
Um bom programa para aqueles que se interessam para o ser humano é visitar a exposição do Centro Cultural da Justiça Federal. As fotografias de André Coelho retratam bem o abandono das pessoas na Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi. Logo à entrada, um painel explicativo cita pessoas conhecidas que por lá passaram: Emilinha Borba, Paulo Coelho e Garrinha. A exposição da Artame Gallery, de vídeos com doentes entrevistados no seu local de encontro em Paris. São estimulantes.
Não dá para ficar calado.
O II Festival Internacional de Humor do Rio de Janeiro, no Centro Cultural dos Correios, até 20 de dezembro.
A Imagem do Brasil no Tempo da Segunda Guerra, no Centro Cultural da Justiça Eleitoral, até 31 de janeiro.
Propaganda de Cigarro - Como a indústria do fumo enganou as pessoas, na Caixa Cultural - Unidade Barroso.
Artame Gallery: Arte e Solidariedade e Museu de Imagens do Inconsciente, e Fotografias de André Coelho, Imagens do Insconsciente, no Centro Cultural Justiça Federal, até 31 de janeiro e 17 de fevereiro, respectivamente.
As duas últimas exposições têm especial interesse para o Observatório da Infância e seus visitantes e colaboradores.
Um bom programa para aqueles que se interessam para o ser humano é visitar a exposição do Centro Cultural da Justiça Federal. As fotografias de André Coelho retratam bem o abandono das pessoas na Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi. Logo à entrada, um painel explicativo cita pessoas conhecidas que por lá passaram: Emilinha Borba, Paulo Coelho e Garrinha. A exposição da Artame Gallery, de vídeos com doentes entrevistados no seu local de encontro em Paris. São estimulantes.
Não dá para ficar calado.
Suicídio desrespeitado
O tema suicídio é bastante abordado no site Observatório da Infância. As tentativas de suicídio e o suicídio consumado ocorrem com frequência na infância, sobretudo na adolescência.
O jornalista Arthur Dapieve abordou em seu livro, Morreu na contramão - Suicídio como notícia, um acordo ético entre os editores para não divulgar mortes por suicídio, inclusive para editar o exemplo e o "contágio".
O suicídio da artista Leila Lopes, claramente uma mulher em sofrimento, vem sendo escandalizado por alguns jornais de sites na Internet. É um desrespeito e falta de ética.
Por que os veículos de comunicação considerados éticos não reclamam da exploração da imagem e do desserviço feitos pelos seus colegas?
Lembro-me que um estudioso do suicídio entre jovens do Brasil chegou a escrever que o suicídio seria causado pelo "suicidococus contagiosus", uma vez que é muito frequente que outros suicídios se sigam após uma grande divulgação na mídia do suicídio de um personagem conhecido na sociedade.
Além do desrespeito total ao ser humano, a divulgação intensa do bem sucedido suicídio de Leila Lopes com "chumbinho" (veneno de rato) e tranquilizantes é uma boa informação para os suicidas em potencial.
Para reforçar aqui o respeito que merece um ser humano que, geralmente só em grande desespero e depressão, se suicida, leiam algumas palavras que Leila Lopes deixou para a sua família: "Não aguento mais pensar, pagar contar, resolver problemas".
Leia mais sobre suicídio no Observatório da Infância:
O jornalista Arthur Dapieve abordou em seu livro, Morreu na contramão - Suicídio como notícia, um acordo ético entre os editores para não divulgar mortes por suicídio, inclusive para editar o exemplo e o "contágio".
O suicídio da artista Leila Lopes, claramente uma mulher em sofrimento, vem sendo escandalizado por alguns jornais de sites na Internet. É um desrespeito e falta de ética.
Por que os veículos de comunicação considerados éticos não reclamam da exploração da imagem e do desserviço feitos pelos seus colegas?
Lembro-me que um estudioso do suicídio entre jovens do Brasil chegou a escrever que o suicídio seria causado pelo "suicidococus contagiosus", uma vez que é muito frequente que outros suicídios se sigam após uma grande divulgação na mídia do suicídio de um personagem conhecido na sociedade.
Além do desrespeito total ao ser humano, a divulgação intensa do bem sucedido suicídio de Leila Lopes com "chumbinho" (veneno de rato) e tranquilizantes é uma boa informação para os suicidas em potencial.
Para reforçar aqui o respeito que merece um ser humano que, geralmente só em grande desespero e depressão, se suicida, leiam algumas palavras que Leila Lopes deixou para a sua família: "Não aguento mais pensar, pagar contar, resolver problemas".
Leia mais sobre suicídio no Observatório da Infância:
- A prevenção do suicídio
- Suicídio na adolescência
- Perguntas e respostas frequentes sobre suicídio
- Grito de socorro
- Bullying na Internet leva adolescente ao suicídio
- Indicação de filmes sobre eutanásia e suicídio assistido
- Mar Adentro
- Eutanásia. Hannah, 13 anos: "Quero morrer feliz, calmamente, em casa, entre os que me amam"
- A ponte (The bridge)
- Referências Bibliográficas sobre Suicídio
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Há famílias brasileiras que se alimentam diariamente de rato-do-mato
A matéria abaixo, publicada em O Globo, de 29/2009, sobre os desertos brasileiros. Deveria constar no currículo escolar.
No Brasil não há desertos, mas a desertificação já atingiu 7 estados. 15% do território do país e 30 milhões de pessoas que vivem na pobreza ou na miséria absoluta. Para muitos, o alimento básico é o rato-do-mato. Pode-se imaginar como nascem, vivem e morrem as crianças dessas terras brasileiras desertificadas?
Não dá para ficar calado.
Publicado originalmente em O Globo, de 28 de novembro de 2009.
Irauçuba (CE) - Desertificação já atinge 87% do município de Irauçuba, no Ceará. PIB do Nordeste poderá encolher 11,4%
Todo fim de tarde, Francisco Oliveira pedala três léguas, ou 18 quilômetros, para embrenharse no mato. Munido de apenas dois pauzinhos de madeira, ele arma "vários quixós" (uma espécie de armadilha) e volta no dia seguinte, bem cedo.
Sua presa é um rato-domato, também conhecido entre os sertanejos como rabudo. Francisco, 65 anos, chega a levar para casa uma dúzia deles, que são consumidos entre o almoço e o jantar.
Pai de oito filhos, 17 netos e um bisneto, Francisco e a esposa Maria Socorro, de 62 anos, garantem que a carne do bicho é saborosa. Por falta de opção melhor para levar à mesa, a família Oliveira varia apenas na forma do preparo: frito ou cozido.
-Em todos estes anos, nunca dormimos com fome. Rabudo aqui não falta — lembra Francisco, que já usou o bicho até como moeda de troca para comprar legumes.
Não é só na casa de Francisco que o rabudo é um dos itens do cardápio. O bicho já consta do hábito alimentar de Irauçuba — município apontado como um dos polos de maior aridez do semiárido nordestino.
No Ceará, problema já atinge 10% do território Localizado a 150 quilômetros de Fortaleza, no Ceará, a cidade está vivendo um processo avançado de desertificação. Pouco mais de 87% da região já estão virando deserto e o percentual no estado chega a 10,2%.
Cálculos preliminares da Fiocruz e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) dão conta de que o avanço desse processo associado às mudanças climáticas podem provocar uma redução de 11,4% na taxa de crescimento da economia nordestina até 2050. Só a área agricultável do Ceará deverá sofrer um encolhimento de 79,6%.
Vítima recorrente da seca, que é um fenômeno ecológico, a desertificação que atinge a zona rural de Irauçuba é resultante da pecuária, das queimadas (para ampliar áreas de cultivo e pastagem ou para produção de lenha) e do uso inadequado da terra. É comum os agricultores locais abandonarem seus roçados, cultivados no máximo duas vezes, para abrirem novas clareiras.
A agricultura é basicamente de subsistência. Predomina o cultivo de milho e feijão.
A associação da seca com o uso inadequado do solo acabou imputando a Irauçuba o título de o deserto do Ceará.
-Ainda não temos nenhuma área desértica — garante o vice-governador do estado, Francisco Pinheiro (PT), admitindo, que, em outras regiões do Ceará, como no Médio Jaguaribe, onde se encontra a maior extensão de áreas desertificadas (44,1 mil km2) do estado, o processo já atingiu 23,54% do município.
O preocupante, na avaliação do prefeito de Irauçuba, Raimundo Nonato (PHS), é que a desertificação coincide, em grande parte, com os maiores bolsões de miséria da região. A coincidência já virou regra no país, onde a desertificação é uma realidade.
É comum ver as crianças de Irauçuba brincarem com ossada de gado, já que até mesmo uma simples boneca ou uma bola é inacessível ao bolso do sertanejo. Sombra também é algo raro no município.
As queimadas praticamente acabaram com espécies como angico, aroeira e imburana, entre outras. A derrubada das árvores criou também um deserto de pássaros, que migraram à procura de habitat mais amigável para viverem.
-Diante da escassez derecursos e da falta de políticas públicas estadual e federal, sancionamos, em junho, a primeira lei municipal de combate à desertificação. Também criamos um fundo para captar recursos — afirma Nonato.
Cálculos estimados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) dão conta de que seria necessário um verba anual de R$ 30 milhões para combater o problema no país. A Coordenação de Combate à Desertificação do ministério está contando este ano com apenas R$ 4 milhões.
Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) concluiu que as mudanças climáticas tendem a aprofundar a desertificação. Para realizar o trabalho "Mudanças Climáticas, Migrações e Saúde: Cenários para o Nordeste Brasileiro 2000-2005", os pesquisadores desenvolveram o Índice de Vulnerabilidade de Desertificação (IVD).
Por este índice, chegou-se à conclusão que 1% do Nordeste se encontra sob risco elevado de desertificação. O Ceará, por sua vez, está no topo da lista, com Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia.
Não bastasse isso, o Ceará é o estado com maior índice de vulnerabilidade à dengue e à leptospirose.
Com o solo empobrecido, está ficando cada vez mais difícil garantir o sustento de quem vive da terra. Até o gado, que ainda é a principal fonte de renda do município, virou vítima da desertificação, depois de ser seu algoz.
A população de bovino é dobro do que a condição ambiental do município suporta.No lugar de 12 mil cabeças, o superpastoreio chega a 20,4 mil cabeças.
Não sobrou nem capim verde para o gado — O gado praticamente não tem mais capim verde para comer. Já até aluguei pasto no Maranhão, para o gado não morrer de fome — lembra o pecuarista Rufino Gomes.
Mesmo que não sobre nenhum açude, ele não terá como repetir a estratégia. É que os estados vizinhos, incluindo o Maranhão, estão com medo da proliferação dos focos de febre aftosa. O pecuarista chegou a pagar R$ 15 de aluguel por cabeça.
Dono de duas fazendas, que juntas somam 2,5 mil hectares, Gomes, também é dono de duas redes de supermercado na região. Ele não descarta substituir seu gado de corte pelo leiteiro.
-Gado como dinheiro.
Criando gado leiteiro posso vender o produto nas redes de supermercados que meus filhos administram — pensa alto Gomes, pai de quatro filhos, dois dos quais cuidam das lojas.
Fotos de Marco Antonio Teixeira
No Brasil não há desertos, mas a desertificação já atingiu 7 estados. 15% do território do país e 30 milhões de pessoas que vivem na pobreza ou na miséria absoluta. Para muitos, o alimento básico é o rato-do-mato. Pode-se imaginar como nascem, vivem e morrem as crianças dessas terras brasileiras desertificadas?
Não dá para ficar calado.
Deserto de homens e trabalho
Escrito por Liana MeloPublicado originalmente em O Globo, de 28 de novembro de 2009.
Irauçuba (CE) - Desertificação já atinge 87% do município de Irauçuba, no Ceará. PIB do Nordeste poderá encolher 11,4%
Todo fim de tarde, Francisco Oliveira pedala três léguas, ou 18 quilômetros, para embrenharse no mato. Munido de apenas dois pauzinhos de madeira, ele arma "vários quixós" (uma espécie de armadilha) e volta no dia seguinte, bem cedo.
Sua presa é um rato-domato, também conhecido entre os sertanejos como rabudo. Francisco, 65 anos, chega a levar para casa uma dúzia deles, que são consumidos entre o almoço e o jantar.
Pai de oito filhos, 17 netos e um bisneto, Francisco e a esposa Maria Socorro, de 62 anos, garantem que a carne do bicho é saborosa. Por falta de opção melhor para levar à mesa, a família Oliveira varia apenas na forma do preparo: frito ou cozido.
-Em todos estes anos, nunca dormimos com fome. Rabudo aqui não falta — lembra Francisco, que já usou o bicho até como moeda de troca para comprar legumes.
Não é só na casa de Francisco que o rabudo é um dos itens do cardápio. O bicho já consta do hábito alimentar de Irauçuba — município apontado como um dos polos de maior aridez do semiárido nordestino.
No Ceará, problema já atinge 10% do território Localizado a 150 quilômetros de Fortaleza, no Ceará, a cidade está vivendo um processo avançado de desertificação. Pouco mais de 87% da região já estão virando deserto e o percentual no estado chega a 10,2%.
Cálculos preliminares da Fiocruz e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) dão conta de que o avanço desse processo associado às mudanças climáticas podem provocar uma redução de 11,4% na taxa de crescimento da economia nordestina até 2050. Só a área agricultável do Ceará deverá sofrer um encolhimento de 79,6%.
Vítima recorrente da seca, que é um fenômeno ecológico, a desertificação que atinge a zona rural de Irauçuba é resultante da pecuária, das queimadas (para ampliar áreas de cultivo e pastagem ou para produção de lenha) e do uso inadequado da terra. É comum os agricultores locais abandonarem seus roçados, cultivados no máximo duas vezes, para abrirem novas clareiras.
A agricultura é basicamente de subsistência. Predomina o cultivo de milho e feijão.
A associação da seca com o uso inadequado do solo acabou imputando a Irauçuba o título de o deserto do Ceará.
-Ainda não temos nenhuma área desértica — garante o vice-governador do estado, Francisco Pinheiro (PT), admitindo, que, em outras regiões do Ceará, como no Médio Jaguaribe, onde se encontra a maior extensão de áreas desertificadas (44,1 mil km2) do estado, o processo já atingiu 23,54% do município.
O preocupante, na avaliação do prefeito de Irauçuba, Raimundo Nonato (PHS), é que a desertificação coincide, em grande parte, com os maiores bolsões de miséria da região. A coincidência já virou regra no país, onde a desertificação é uma realidade.
É comum ver as crianças de Irauçuba brincarem com ossada de gado, já que até mesmo uma simples boneca ou uma bola é inacessível ao bolso do sertanejo. Sombra também é algo raro no município.
As queimadas praticamente acabaram com espécies como angico, aroeira e imburana, entre outras. A derrubada das árvores criou também um deserto de pássaros, que migraram à procura de habitat mais amigável para viverem.
-Diante da escassez derecursos e da falta de políticas públicas estadual e federal, sancionamos, em junho, a primeira lei municipal de combate à desertificação. Também criamos um fundo para captar recursos — afirma Nonato.
Cálculos estimados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) dão conta de que seria necessário um verba anual de R$ 30 milhões para combater o problema no país. A Coordenação de Combate à Desertificação do ministério está contando este ano com apenas R$ 4 milhões.
Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) concluiu que as mudanças climáticas tendem a aprofundar a desertificação. Para realizar o trabalho "Mudanças Climáticas, Migrações e Saúde: Cenários para o Nordeste Brasileiro 2000-2005", os pesquisadores desenvolveram o Índice de Vulnerabilidade de Desertificação (IVD).
Por este índice, chegou-se à conclusão que 1% do Nordeste se encontra sob risco elevado de desertificação. O Ceará, por sua vez, está no topo da lista, com Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia.
Não bastasse isso, o Ceará é o estado com maior índice de vulnerabilidade à dengue e à leptospirose.
Com o solo empobrecido, está ficando cada vez mais difícil garantir o sustento de quem vive da terra. Até o gado, que ainda é a principal fonte de renda do município, virou vítima da desertificação, depois de ser seu algoz.
A população de bovino é dobro do que a condição ambiental do município suporta.No lugar de 12 mil cabeças, o superpastoreio chega a 20,4 mil cabeças.
Não sobrou nem capim verde para o gado — O gado praticamente não tem mais capim verde para comer. Já até aluguei pasto no Maranhão, para o gado não morrer de fome — lembra o pecuarista Rufino Gomes.
Mesmo que não sobre nenhum açude, ele não terá como repetir a estratégia. É que os estados vizinhos, incluindo o Maranhão, estão com medo da proliferação dos focos de febre aftosa. O pecuarista chegou a pagar R$ 15 de aluguel por cabeça.
Dono de duas fazendas, que juntas somam 2,5 mil hectares, Gomes, também é dono de duas redes de supermercado na região. Ele não descarta substituir seu gado de corte pelo leiteiro.
-Gado como dinheiro.
Criando gado leiteiro posso vender o produto nas redes de supermercados que meus filhos administram — pensa alto Gomes, pai de quatro filhos, dois dos quais cuidam das lojas.
Assinar:
Postagens (Atom)