quarta-feira, 7 de março de 2012

O "descuido" dos magistrados do TJ-SP

Com o título acima o colunista Elio Gaspari ironiza declarações do presidente do Tribunal de Justiça de SP, Ivan Sartori, hoje 07/03/2012, na Folha SP.

O corporativismo do presidente ficou bem demonstrado em recente entrevista à VEJA. O assunto foi tema em nosso blog. Leia, abaixo, a matéria.

Não dá para ficar calado.



O "descuido" dos magistrados do TJ-SP
Elio Gaspari, O Globo

O repórter Flavio Ferreira mostrou que, nos últimos dez anos, desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo receberam seus atrasados acrescidos de juros de 1% ao mês. A taxa deveria ter sido de 0,5%.

Dias depois o presidente da corte, Ivan Sartori, disse que isso aconteceu porque “o tribunal, simplesmente, por descuido, deixou de rever essa forma de correção (os juros de 1%) quando vieram leis específicas da Fazenda”.

Descuido? Com juros compostos não se brinca. Conta lenda que em 1676 os holandeses compraram a ilha de Manhattan aos índios pelo equivalente a 24 dólares. A juros compostos de 7,4% anuais, hoje esse dinheiro seria suficiente para comprar todo o patrimônio imobiliário da ilha.

As cifras recebidas por 29 desembargadores paulistas investigados porque teriam furado a fila de acesso às indenizações sempre soaram esquisitas. Um milhão para cá, R$ 500 mil para lá.

Os magistrados tinham direito ao dinheiro. Afinal, em 2000, o auxílio-moradia dado aos parlamentares foi estendido aos juízes e, oito anos depois, foi reconhecido um crédito retroativo para período de setembro de 1994 a dezembro de 1997.

O auxílio-moradia para desembargadores que viviam e trabalhavam em São Paulo ficou entre R$ 2.500 e R$ 3 mil mensais.

Num exemplo hipotético, com juros de 0,5% ao mês, uma pessoa que fosse indenizada por quantias idênticas, pelo mesmo período de 40 meses, num cálculo feito ao final de dezembro 2010, receberia entre R$ 244.644,31 e R$ 293.573,17. Se os juros fossem de 1%, a fatura ficaria entre R$ 597.860,10 e R$ 717.432,12.

A teoria do “descuido” é pobre. Não foi um erro de conta. Se fosse, teria ocorrido “simplesmente” um constrangedor e bondoso equívoco. Foi uma transgressão.

As “leis específicas da Fazenda” mandavam uma coisa — juros de 0,5% — e o tribunal distribuiu o dobro. Se a lei fixa uma taxa e os desembargadores usufruem de outra, abala-se a confiança que a patuleia deposita em suas sentenças.

Vá lá que todos os desembargadores vissem no estacionamento da Corte o Porsche Cayenne do presidente do Tribunal que autorizou esses pagamentos. Vá lá que se desse aos desembargadores que vieram da advocacia privada o direito de receber licenças-prêmio da Viúva pelo tempo em que trabalhavam em bancas particulares. Vá lá que, por necessidades especiais, 29 afortunados passassem à frente dos outros 324 magistrados. Vá lá que entre essas necessidades estivesse a reforma de um apartamento inundado pela chuva.

Esquisito, porém legal; juros dobrados, não.

Não custa repetir o ensinamento do juiz Louis Brandeis: “A luz do sol é o melhor desinfetante.”

O Tribunal de Justiça de São Paulo precisa divulgar todos os nomes, cifras e cálculos que guarda consigo. Fazendo isso, o Judiciário será o maior beneficiado.

Do jeito que estão as coisas, arrisca-se um pesadelo: um dia, desembargador deixar de ser título, tornando-se adjetivo.

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